Por Kennyo Ismail
Meus Irmãos, devo lhes contar uma história. Uma história que não deveria ser contada. Uma história que, na verdade, não deveria ter acontecido. Ao ousar contar essa história, faço pelo mesmo objetivo da livre busca da verdade que motiva vocês, meus prezados Irmãos, a lerem estas palavras. Faço por acreditar na evolução da organização maçônica assim como na dos homens. Faço por não temer que palavras sejam escritas em vão.
Não, meus Irmãos. Não é uma ficção. Gostaria que fosse. Nem tampouco é um exagero. Melhor seria. Tirar-me-ei o desejo de desabafar, próprio do escritor sozinho em silêncio, observando o compromisso solene da verdade, e nada mais que a verdade. E assim, que cada um de vocês, meus legítimos Irmãos, tão legítimos quanto aquele que nasceu do mesmo ventre que eu, possam compreender a verdadeira dimensão dos fatos que estou prestes a expor.
Ah, quão bom seria se eu pudesse desabafar. Seria o desabafo de um maçom. De um maçom que ama a fraternidade. Que sente orgulho da Maçonaria, sua história e seus feitos. De um daqueles que respira Maçonaria com o peito inflado pela boa honra. Afinal, não é preciso elencar os momentos importantes de nosso país e do mundo dos quais nossa Ordem foi a responsável ou uma importante colaboradora. Sim, somos um belo sistema de moral. Sim, somos o berço da democracia moderna. E sim, colaboramos para a independência de nossos países. Honrar essa história é tão meu dever como honrar a de minha família, de meus ancestrais. Amo a Maçonaria como um filho ama sua mãe, como um soldado ama sua pátria. E é meu dever cuidar da Mãe Maçonaria como um filho adulto deve cuidar daquela mãe senhora que tanto o ensinou.
Entretanto, se eu fizesse um desabafo, provavelmente cometeria o erro de derramar nele minhas percepções, meus valores, minhas opiniões. E isso carregaria o cenário onde os fatos estarão expostos de uma espessa bruma de mim mesmo, dificultando assim a mais clara, nítida, límpida visão dos mesmos. Assim, me aterei aos fatos, desejando que cada palavra que eu escolher sirva como um raio de sol a iluminá-los.
A história que devo contar é a história de um maçom, de um de nós. Um irmão que ingressou jovem na instituição, entre seus 21 e 22 anos de idade, e que, com o passar do tempo, optou por seguir a vocação de professor. Inteligente e estudioso, esse irmão começou a realizar extensos e profundos estudos sobre a Maçonaria, inclusive trocando correspondências com irmãos de dentro e de fora do país. Com apenas 30 anos de idade, seus textos e palestras já eram largamente comentados nas Lojas. E a organização daquele conhecimento maçônico acabou gerando um livro, que foi muito bem aceito pela comunidade maçônica.
Durante seus estudos, o Irmão pôde observar, entre outras coisas, que alguns maçons, tendo pouco conhecimento maçônico, têm total aversão àquilo que desconhecem e que, por desconhecerem, acreditam ser inovações. Outros, um pouco melhor informados, acabam por apresentar uma espécie de “ciúmes de preeminência”, ou seja, por serem mais antigos de Ordem, detentores de grau mais elevado ou algo parecido, se incomodam com o reconhecimento dado a outrem que, aos olhos deles, é inferior.
Obstinado, o referido Irmão, idealizador de uma Maçonaria jovem e dedicada ao estudo, tratou de implementar essa ideia em sua Loja. Em pouco tempo, a Loja estava repleta de jovens promissores, com uma ritualística invejável e sempre palco de interessantes palestras e debates. Porém, essa mudança de paradigma, mesmo que em uma Loja somente, gerou grande descontentamento por parte dos maçons mais conservadores.
Contando com uma pequena coleção de opositores, o protagonista desta história não se intimidou, dando prosseguimento em seus trabalhos em prol da Sublime Ordem. Mas mal sabia ele que um dos que mais se incomodava com sua jornada maçônica era ninguém menos do que seu próprio Grão Mestre. Homem vaidoso e pouco conhecedor dos ensinamentos maçônicos, seu Grão Mestre se irritava mais a cada viagem que fazia, tomando, dia após dia, ciência da relevância e da fama que aquele jovem maçom havia construído, sem cargos ou títulos. Além disso, o Grão Mestre nutria certa mágoa com nosso protagonista, por este não ter ajudado seu grupo na última disputa política que havia enfrentado.
Conforme a inveja e a mágoa profanas foram consumindo o Grão Mestre, tornava-se crescente seu desejo de frear os avanços maçônicos de nosso protagonista. Até que, num belo dia, o Grão Mestre encontrou o que procurava. Um Irmão foi até ele para contar um pequeno ocorrido envolvendo nosso protagonista que, aos olhos daquele inconfidente, tratava-se de atitude cabível de discussão e, quem sabe, até mesmo punição.
Era exatamente o que o Grão Mestre queria e precisava. Já com tudo tramado e arquitetado em sua mente pouco maçônica, ele conseguiu distorcer o incidente de tal forma a ponto de interpretá-lo como uma infração gravíssima, perseguindo e promovendo uma campanha difamatória contra nosso Irmão e gerando constrangimentos e transtornos a ele e a toda sua Loja. Para conseguir o que almejava, a manipulação da questão pelo Grão Mestre foi tamanha, que foi como transformar meia dúzia de passos discretos em uma procissão em praça pública.
Não faltavam Irmãos de outras Lojas que procuravam nosso protagonista para consolá-lo com palavras de apoio, todos se dizendo revoltados com o abuso de autoridade e energia investida pelo Grão Mestre nesse caso em particular. Porém, o repúdio só não era maior do que o medo que tinham das represálias daquele governante com luvas de ferro.
Mesmo grato pelas demonstrações de apreço de tantos Irmãos, nosso Irmão se entristecia a cada contato, a cada visita. Provavelmente, ele compartilhava do mesmo sentimento e opinião que dominaram Martin Luther King Jr., quando este registrou que “nossas vidas começam a acabar no dia em que nos calamos sobre as coisas que importam” e “no final, nós nos lembraremos não das palavras de nossos inimigos, mas do silêncio de nossos amigos”.
Seguindo em frente, nosso Irmão protagonista enfrentou a acusação, ladeado por fiéis irmãos de sua Loja. Encarou o processo de cabeça erguida, defendendo-se como se estivesse num processo justo, mesmo sabendo que se tratava de uma tocaia cuidadosamente preparada pelo Grão Mestre para que ele não escapasse. E, logicamente, não escapou.
Entretanto, o tempo é o senhor da razão. Em dez anos, lá estará nosso protagonista, pesquisando, escrevendo, pois o lobo pode perder seus dentes, mas nunca sua natureza. Já o Grão Mestre, ah, esse nem sequer seu nome será lembrado.
Essa é a história da vida maçônica de William Preston, nascido em 1742, iniciado em 1763, que teve seu livro, “Illustrations of Masonry”, publicado em 1772, e respondeu a um processo disciplinar maçônico em 1777. Um dos personagens mais notáveis e respeitados na história da Maçonaria em todo o mundo, cuja obra influenciou quase todos os rituais maçônicos praticados atualmente. Foi também de Preston que partiu a iniciativa das Lojas saírem das tavernas e construírem espaços próprios.
É como diz o velho adágio: “um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Dedico essa história a todos os Irmãos “prestonianos”.