sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MAÇONARIA E JUDAÍSMO (PARTE I)

por el M:.R:.H:. Guilherme Oak

A tradição judaica não é dominada por muitos escritores maçônicos que, por isto mesmo, cometem muitos pecados de interpretação no tocante a sua influência na maçonaria. Antes de apontar a influência judaica na maçonaria seria interessante fixar alguns traços da cultura judaica, comumente desprezados, para não se incorrer em erros lamentáveis. Veja-se, por exemplo, as colunas do Templo de Salomão que estão citadas em Reis I, 7, 21: “Ergueu as colunas diante do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado direito, à qual deu o nome de Jaquin; ergueu a coluna da esquerda e chamou-a Boaz”. Quando se pergunta a um professor de hebraico o que significa BOAZ , ele discorrerá sobre o significado e a tradução desta palavra. Se perguntarmos, ao mesmo professor, o que significa BOOZ, muito empregada pelos maçons franceses e repetida pelos brasileiros e que é uma corrupção de BOAZ, ele não saberá, obviamente, o significado da palavra, pois ela não tem nada a ver com o hebraico. Quanta discussão inútil se evitaria se se pudesse resolver a questão filologicamente.
            Os caracteres da escrita hebraica não possuem vogais. Normalmente são substituídos por sinais (massoréticos) que agem como vogais. Assim se um judeu religioso escrevesse o nome de Deus em hebraico no alfabeto ocidental soaria algo como: D--s ou N-ss-  S-nh-r, tomando todo o cuidado para não tomar o santo nome em vão. Os judeus pronunciam o nome de Deus de várias maneiras: El, Eloim, El Shadai, Adonai, etc. Contudo, o nome inefável de Deus [desnecessário dizer que o hebraico se lê da direita para a esquerda] raríssimamente é grafado (quando o é, normalmente para uso em pesquisa etimológica sobre a origem do Nome) ou pronunciado (sendo nestas pouquíssimas vezes, não é propriamente pronunciando e sim soletrado com as letras hebraicas: iod, hei, vav e hei). Em inglês, o nome inefável é transliterado como YHVH (Javé em Português como se verá a seguir). Os estudiosos cristãos ensinam que os judeus adoram Deus com um nome relacionado com a letra W. Tal fato se deve a dominação que os alemães exerceram no campo teológico nos últimos duzentos anos. O W em alemão é pronunciando como o V em português e inglês e o vav em hebraico. Os alemães também grafam como J onde encontram o iod hebreu ou o Y em inglês (tal letra inexiste no alfabeto português) quando ele ocorre. Assim YHVH apareceria como JHWH. A Bíblia de Jerusalém grafa como Javé e/ou Iahweh.
            A tradição judaica afirma que a atual pronúncia do Nome é um segredo para sempre perdido desde a destruição do Templo e é considerado impróprio tentar pronunciar o Nome. Quando o Nome ocorre em caracteres hebraicos deve ser usada uma palavra substituta, ou seja Adonai.
            Outro traço importante na cultura religiosa hebraica é o termo Bíblia. Claro que Bíblia é o têrmo português para a palavra hebraica Tanach . Tanach ou Tanack é um acrônimo construído pelas três seções da Bíblia: a Torah , ou seja a Lei, o Nevi’im , ou seja os Profetas e o Kesuvim ou Ketuvim , ou seja os Escritos ou os Hagiógrafos. Na versão moderna, constituem os 39 livros (considerando-se Samuel I e II e Reis I e II como livros separados) da Escritura Hebraica que, obviamente, os judeus não chamam de Velho Testamento. Aquilo que os cristãos chamam de Velho Testamento e Novo Testamento, os judeus chamam de Escritura Hebraica e Escritura Cristã. O cânon hebraico difere do cânon cristão por desconsiderar os livros escritos em grego e os suplementos gregos de Ester e Daniel. Para uma breve recordação, o cânon hebraico lista os seguintes livros:
·      Pentateuco: 1- Gênesis, 2- Êxodo, 3- Levítico, 4- Números, 5- Deuteronômio;
·      Profetas: [anteriores] 6- Josué, 7- Juízes, 8- Samuel (I e II), 9- Reis (I e II), [posteriores]10- Isaías, 11- Jeremias, 12- Ezequiel, 13- ‘Os Doze’ profetas, na ordem retomada pela Vulgata: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias;
·      Hagiógrafos: 14- Salmos, 15- Jó, 16- Provérbios, 17- Rute, 18- Cântico dos Cânticos, 19- Eclesiastes (Coelet), 20- Lamentações, 21-Ester, 22- Daniel, 23- Esdras, 24- Neemias e 25- Crônicas. 
            Aqui surge uma questão que agora poder ser respondida com maior conhecimento de causa. Quando um candidato maçônico judeu presta um juramento, a Torah deve ser posta no altar como Livro da Lei? Não. A Torah é somente uma parte da Bíblia judaica. Colocar a Torah no altar seria o equivalente para os cristãos de se colocar somente os quatro Evangelhos no altar, sem as Epístolas, o Apocalipse, etc. O Livro dos Profetas e os Hagiográfos assumem um importante papel na adoração judaica e no entendimento da lei judaica. A Torah é a mais importante seção da Bíblia, e é particularmente venerada, mas não é toda a Escritura.
            Seria, então, o caso de se colocar o Talmud no altar para os candidatos judeus? Aqui, convém, esclarecer que o Talmud é um livro de interpretação legal. O Talmud também ensina uma grande parte sobre o pensamento judeu e a crença religiosa, mas ele não é a Sagrada Escritura. As obras de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino desempenham o mesmo papel numa relação similar com a Bíblia dos cristãos, contudo, também não são as Escrituras.
            Surge agora uma outra pergunta. Os judeus usam chapéu em Loja? Aqui convém distinguir entre o chapéu propriamente dito e quipá (kipah), uma espécie de solidéu. O solidéu (solis Deo = só a Deus) designa o pequeno barrete, geralmente feito de fazenda mole e flexível, a qual se ajusta à cabeça, com que os padres cobrem a coroa ou pouco mais e que deve ser tirado ante o sacrário. A cobertura da cabeça é preconizada em diversos ritos maçônicos (apesar da prática não ser uniforme) para os Mestres em qualquer Sessão, ou para todos os Obreiros, ou apenas para os Mestres em Sessão do terceiro grau. Geralmente tal cobertura é necessária e feita com o chapéu negro desabado, podendo-se todavia, utilizar o solidéu (que é o quipá hebraico) em Sessões do terceiro grau ou de Pompas Fúnebres. O judaísmo adota a prática oriental de cobrir a cabeça durante as orações como um sinal de respeito, enquanto nos países ocidentais, a prática é totalmente ao contrário: descobre-se a cabeça exatamente pela mesma razão. Algumas Obediências Maçônicas decidiram que o quipá (iarmulque [yarmulke], barrete, tiara, etc.) não é um chapéu no sentido maçônico, mas um elemento do vestuário. O R\E\E\A\adota a opinião que o barrete do rito não deve ser removido, por exemplo, durante a saudação da bandeira. Deve ser considerado, também em maçonaria, o barrete frígio, que era um pequeno boné de feltro, de forma cônica e com um pequeno rebordo, com o qual, na Antigüidade, o senhor cobria a cabeça do escravo na cerimônia de libertação e que era tomado como emblema de liberdade; graças a isso, ele é, em alguns ritos, um símbolo maçônico, já que a maçonaria sempre foi libertária.

            Uma última distinção deve ser feita sobre o diferente uso do conceito fariseu entre cristãos e judeus. O judaísmo moderno é farisaico no seu temperamento, mas os judeus não usam a palavra como um sinônimo de “hipócrita”. É provável que este último significado adveio de um conflito entre aqueles que escolheram seguir Jesus e Paulo e aqueles que permaneceram com o cerne da fé judaica. Naquele tempo, os fariseus dominavam o pensamento e a prática judaica e é melhor denunciar o farisaísmo como um desvio do pensamento judeu do que denunciar os judeus propriamente ditos, desde que os antigos cristãos almejavam converter os judeus. Os fariseus e os saduceus eram os competidores primários no pensamento e na prática religiosa dos judeus, embora houvessem outros grupos, como os essênios, buscando oferecer idéias diferentes. Os saduceus eram o partido da classe sacerdotal e mantinham a posição de que somente a Lei escrita deveria ser seguida à risca. Os fariseus conseguiam fazer uma combinação mais flexível entre a Lei escrita e a oral. Outra importante distinção era que os fariseus afirmavam que uma pessoa não deveria pertencer necessariamente à classe sacerdotal para bem cumprir os mandamentos e adorar a Deus. É esta última diferença que é a mais importante no desenvolvimento do judaísmo na sua forma para os últimos dois mil anos. Alguns autores fazem um símile entre este conflito e o da Reforma protestante, quinze séculos depois. 

Um comentário: