A
Maçonaria é uma Ordem que, ao longo de sua história, instituiu um
sistema de moral, transmitido através de alegorias, sinais e
símbolos. Não há quem, ao deparar com um símbolo maçônico,
facilmente, não faça sua ligação com nossa Ordem. Exemplos disso
são, principalmente, com relação ao Simbolismo, o Esquadro e o
Compasso e, para os Altos Graus, a Águia de duas Cabeças ou
Bicéfala. Esse símbolo, embora seja de fácil ligação com os
Supremos Conselhos do REAA, foi, apenas, por eles absorvido como sua
representação. Sua origem, na verdade, atravessa tempos imemoriais,
e, por muitos historiadores, é considerado o mais antigo do mundo. A
Águia Bicéfala remonta à antiquíssima cidade de Lagash, que se
situava na Suméria, Sul da Babilônia, na chamada baixa Mesopotâmia,
entre 4 – A Origem e o Simbolismo da Águia Bicéfala remontam
aos
rios Eufrates e Tigre, perto da atual cidade de Shatra, no Iraque.
Essa região, na época, tinha uma vintena de templos e santuários
consagrados a diferentes divindades.
Na
Índia, tal símbolo, também, tem sua representação, sendo chamado
de Gandaberunda, também, conhecido como o Berunda, trata-se de um
pássaro mitológico de duas cabeças da mitologia hindu, ao qual lhe
é dado possuir força mágica. Ele é usado como o emblema oficial
pelo governo de Karnataka, cidade do Sul da Índia, por causa de sua
imensa força, capaz de lidar com as forças finais de destruição,
e é muito comum vê-lo esculpido nos templos hindus. Segundo alguns
historiadores, há mais de mil anos, antes do êxodo do povo de
Moisés, no Egito, esse símbolo já era utilizado. Encontramos, no
Freemasons’ Guide and Compendium, de Bernard E. Jones, relato sobre
a escavação das fundações de um templo, construído cerca de 3000
A.C.,
isto é, cerca de 2000 anos antes da construção do Templo de
Salomão, sobre um achado de duas placas de terracota com inscrições,
detalhando como a construção havia sido ordenada e iniciada. Essas
placas foram ali depositadas, quando do lançamento da pedra
fundamental do templo, por Gudea, governador de Lagash, na Babilônia.
As inscrições dos cilindros, impressas nas mesmas, incluíam um
esboço de um “pássaro da tormenta”, representado por uma Águia
com duas cabeças. Em nossas pesquisas, constatamos que, além de os
sumérios, esse símbolo foi utilizado pelo povo de Akkad; pelos
hititas – povo indo-europeu, que, no II milênio A.C.,
fundou um poderoso Império na Anatólia central, hoje, atual
Turquia; dos recônditos da Ásia Menor para a posse de sultões, até
ser trazida pelos Cruzados aos Imperadores do Oriente e Ocidente,
cujos sucessores foram os Hapsburg (Sacro Império Romano-Germânico)
e os Romanoff (Rússia). No ano 102 A.C.,
o Cônsul romano Marius decretou que a Águia seria um símbolo da
Roma Imperial. Mais tarde, já como potência mundial, Roma utilizou
a Águia de Duas Cabeças, uma, voltada a Este, e outra, a Oeste,
como símbolo da unidade do Sagrado Império Romano, em 414 A.C.,
utilizando-a em seus selos, simbolizando a unidade e universalidade
do Império.
Descrita,
geralmente, em preto sobre um fundo dourado, a Águia Bicéfala
substituiu a águia de cabeça única, utilizada anteriormente, e
foi, posteriormente, adotada nos brasões de muitas cidades alemãs e
famílias aristocráticas. Os Imperadores do Império Romano
cristianizado continuaram a sua utilização, sendo, depois, adotado
na Alemanha, durante o período de conquista e poder Imperial. A
primeira menção de uma águia de duas cabeças, no Ocidente,
remonta a cerca de 1250, em um rolo de brasões enviado pelo monge
beneditino, cartógrafo e historiador Mattew Paris para o Imperador
Frederico II, do Sacro Império Romano, a quem tinha grande
admiração, e a quem o contemplou com o epíteto, que ficou muito
conhecido, de “Mundi Stupor” – estupor do mundo. Após a
dissolução do Sacro Império Romano, em 1806, a águia de duas
cabeças foi adotada pelo Império Austríaco, e serviu, também,
como o brasão de armas da Confederação Alemã. Era um elemento
principal do brasão de armas do Império Russo, sendo modificado
diversas vezes, desde o reinado de Ivan III (1462-1505), recebendo
sua forma definitiva no reinado de Pedro, o Grande (1682-1725).
A
Águia Bicéfala russa continuou em uso até ser abolida na Revolução
Russa, em 1917. Como símbolo, foi restaurado em 1993, depois daquele
ano de crise constitucional e permanece em uso até os dias atuais,
embora, o brasão atual passou a ser de ouro ao invés do tradicional
preto, imperial. Os reis da Mércia, um dos sete reinos que compunham
a Heptarquia anglo-saxônica, atual Inglaterra, a usaram como
símbolo, antes da conquista normanda. Leofric, Conde de Mércia, a
usou para representar a antiga família Shropshire. Na Escócia, a
podemos encontrar no brasão de armas do Burgo de Perthshire,
tornando-se, mais tarde, a defensora dos brasões do distrito de
Perth e Kinross (1975). A dinastia sérvia Nemanjić a adotou, em uma
versão, na cor branca, para significar a sua própria independência
e, de fato, o direito ao trono imperial de Constantinopla. A águia
branca foi mantida pela
maioria
das dinastias medievais sérvias, bem como as Casas de Karađorđević,
Obrenovic e PetrovicNjegos e permanece, até hoje, em uso no brasão
de armas dos países da Sérvia e Montenegro. George Kastrioti
(Skanderbeg) adotou uma bandeira semelhante em sua luta contra os
otomanos, que consiste em uma águia preta em fundo vermelho, que foi
ressuscitado na atual bandeira da Albânia. Durante os séculos
seguintes, a águia apresentava-se prendendo, em suas garras, uma
espada e/ou um cetro, e um globo com uma cruz, símbolos da soberania
dupla acima mencionada. Seu uso, também, sobreviveu como um elemento
da Igreja Ortodoxa Grega, que era o herdeiro do legado bizantino
durante o Império Otomano, mantendo-se como um símbolo popular
entre os gregos, estando, ainda, em uso em bandeiras da Igreja. Na
Grécia moderna, é usada, oficialmente, pelo Exército, no brasão
da Hellenic Army General Staff. Enfim, esse enigmático símbolo foi
adotado por diversos povos e ocasiões, aparecendo em diversos
brasões de armas e bandeiras atuais e históricos de muitos países
e territórios, incluindo Albânia, Armênia, Áustria (1934-1938),
Áustria-Hungria, Império Bizantino, Confederação Alemã, do Sacro
Império Romano Império, Reino da Mércia (527-918), Montenegro,
Reino de Mysore, Império Russo, Rússia, Império Seljúcida,
Sérvia, Império Sérvio, Reino da Sérvia, do Império Espanhol
(durante a dinastia Habsburgo) e Reino da Iugoslávia. A localizamos
no brasão e na bandeira da cidade de Toledo, na Espanha, e no brasão
da cidade de Velletri, na Itália, uma série de cidades da Alemanha,
Holanda e Sérvia. A encontramos, também, na bandeira da Igreja
Ortodoxa Grega e na bandeira do Exército Helênico – 16º Divisão
de Infantaria, e no esporte, como emblema de clubes desportivos,
como: AEK e PAOK (Grécia); Konyaspor (Turquia); Nec e Vitesse
(Holanda); AFC Wimbledom e San Johnstone FC (Inglaterra). Já o
Bengaluru FC, um clube de futebol com sede em Bangalore, capital de
Karnataka, na Índia, tem uma Gandaberunda, águia de duas cabeças,
no escudo do clube.
Na
Maçonaria, até onde conseguimos pesquisar, a Águia Bicéfala foi
introduzida pelo Conselho dos Imperadores do Oriente e Ocidente,
Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de Jerusalém, que foi
fundado em Pirlet, em Paris, em 1758. Tal Conselho foi responsável
pela criação do sistema de Altos Graus Escoceses, impondo-lhe o
limite de 25 graus, resolução que seria, oficialmente, inscrita nos
seus estatutos de 1762. Essa escala de 25 graus foi chamada de Rito
de Perfeição ou de Heredon, servindo, mais tarde, como base para o
surgimento do REAA, com a criação do seu primeiro Supremo Conselho,
Jurisdição Sul dos EUA, em Charleston, em 1º de maio de 1801.
Coincidências a parte, é curioso notar que existe um padrão com
relação à utilização da Águia Bicéfala pelos Supremos
Conselhos do REAA.
Os
Supremos Conselhos, que tinham laços com a Grande Loja da
Inglaterra, têm, em seus selos, a Águia com as asas para cima,
enquanto os Supremos Conselhos, que tinham laços com a Grande Loja
da França, têm, em seus selos, a Águia com as asas voltadas para
baixo. A Águia Bicéfala utilizada como símbolo do REAA, tem suas
asas abertas e está coroada pela coroa imperial da Prússia, tendo
sobre a coroa um triângulo equilátero dourado reluzente com o
número 33, no seu interior. Suas garras estão segurando uma espada
desembainhada, que tem uma fita como ornamento, serpenteando-a desde
seu punho até a extremidade da lâmina, contendo a divisa: “DEUS
MEUMQUE JUS” – que significa “Deus e o meu direito”. História
e curiosidade à parte, todo símbolo apresenta-se ao verdadeiro
Iniciado como uma misteriosa esfinge, induzindo-o decifrá-lo.
Embora, ainda, estejamos galgando os primeiros degraus da infinita
escada evolucional, permitam-nos uma despretensiosa interpretação
iniciática desse símbolo, a título de analogia: a águia é um
pássaro de voo altaneiro, de visão privilegiada, símbolo do poder
e da expressão da Mente Universal, no seu aspecto Onisciência. Esse
símbolo, ligado à Iniciação, expressa o objetivo a que se propõem
todas as verdadeiras Escolas de Iniciação do presente ciclo: o
despertar, em seus membros, da quintessência, da Mente Superior, do
Princípio Divino no ser humano. Como a palavra mesmo diz, Iniciação
é iniciar uma ação interna, de preparação do quartenário da
matéria, nossa personalidade, para o despertar da “Quintessência”,
nosso Princípio Crístico, nosso EU Verdadeiro.
A
Águia, com as duas cabeças, representa as duas mentes, ou seja, a
mente concreta, já plenamente desenvolvida pela humanidade, e a
abstrata, propósito a ser atingido com a conclusão da atual 5ª
Raça-Mãe, a Ariana. Enveredando-nos pelos estudos dos Altos Graus
do REAA, deparamo-nos, em determinado Grau, com a ponte, que nos
permitirá, se alcançarmos mérito para tanto, adentrar a Jerusalém
Celeste. Todo esse simbolismo, na verdade, está dentro de nós, com
o despertar de um estado de consciência, possibilitando-nos perceber
a essência dos Mistérios Maiores.
Além
da Águia Bicéfala, sobre cujo simbolismo, superficialmente,
apresentamos uma breve interpretação, falaremos na Cruz Papal ou do
Pontífice, usada na heráldica eclesiástica. Também, conhecida
como Cruz Tripla ou do Hierofante, suas três barras horizontais
representam as três funções do Papa, como Bispo de Roma, Patriarca
do Ocidente e Sucessor de Pedro. A Cruz Papal ou do Pontífice é,
também, usada pelo nosso Soberano Grande Comendador do REAA, em seu
barrete, além de ser aposta a sua assinatura nos documentos oficiais
do Supremo Conselho. Lembremos que o Pontífice é o artífice
construtor de pontes. É aquele que constrói a ponte, que permite a
outros a transposição de um obstáculo e a alcançar o outro lado.
Tal ponte, referindo-nos ao REAA, é, gradualmente, construída pelo
profundo e dedicado estudo dos excelsos ensinamentos do Rito, com
isso, proporcionando aos Irmãos transporem, em consciência, do
mundo material (mente concreta) para o mundo espiritual (mente
abstrata), alegoria muito bem expressa pelas duas cabeças da Águia.
O
Soberano Grande Comendador, a exemplo do Papa para o Cristianismo, é
o Pontífice, o Soberano Artífice, construtor de ponte, permitindo
aos Maçons, através dos excelsos ensinamentos dos Arcanos do REAA,
atingirem um estado de consciência mais elevado; alcançarem o outro
lado, através da ponte. A espada – arma de dois fios – presa nas
potentes garras da Águia Bicéfala, representa, ao mesmo tempo, a
Força, para se combater os inimigos da verdade, e a Sabedoria, para
se fazer, acima de tudo, valer a justiça, o que pode ser corroborado
pela tradução da inscrição latina na fita que a serpenteia: “Deus
e o Meu Direito”. Não sabemos detalhes da Águia Bicéfala, quando
adotada pelo Conselho de Imperadores do Oriente e do Ocidente, mas a
do primeiro Supremo Conselho do REAA era a águia americana, marrom,
tendo a cauda e a cabeça brancas. A Águia Bicéfala adotada pelo
Supremo Conselho do Grau 33º do REAA da Maçonaria para a República
Federativa do Brasil é de cor púrpura, cor da nobreza, do
equilíbrio perfeito e da realização, matiz muito utilizada por
várias religiões, e por Escolas de Iniciação do Oriente, por
expressar a união das energias cósmica (Fohat – verde) e telúrica
(Kundaline – vermelho), significando o perfeito entrelaçamento dos
dois triângulos, formando o Hexágono Sagrado (interpenetração dos
mundos celestes e terreno). A Águia Bicéfala, considerada por
muitos um dos símbolos mais antigo do mundo, expressa o Poder e a
Soberania. Esse símbolo, quando utilizado em uma Escola de
Iniciação, como é o caso, na Maçonaria, permite, aos “que têm
olhos de ver”, aos verdadeiros Iniciados nos Augustos Mistérios,
quando contemplá-lo, adentrar em seus enigmáticos arquétipos,
levando-os a imaginar que tal símbolo, ainda que intuitivamente,
fora sabiamente escolhido para expressar a enorme riqueza contida nas
entrelinhas dos excelsos ensinamentos do Rito Escocês Antigo e
Aceito.
Autor:
Irmão Francisco Feitosa É edior da Revista ASTREA.
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