segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ETERNA FUGITIVA


www.brasilmacom.com.br - ETERNA FUGITIVADiscorrer sobre o mistério das coisas é perder tempo. Mais vale calar e buscar as certezas apenas no campo da ação. Nada podemos saber do que convém crer com relação aos enigmas que atormentam aos humanos, mas cada um de nós pode adivinhar sem esforço excessivo aquilo que a Vida exige e, assim, uma verdade se nos revela proporcional à norma: é uma verdade de ordem moral que emana das próprias leis da Vida.


Um jovem teosofista, — por certo bom conhecedor de metafísica, — houve por bem submeter à minha apreciação algumas páginas, fruto de seus estudos no Campo de Châlons onde esteve mobilizado em 1920. Intitula sua dissertação: Por que o homem busca a Verdade e como pode encontrá-la. Começa assim: O homem quer saber, quer conhecer. Por quê? Porque é. Porque, em sendo, o é em conseqüência de sua função de Ser. O Ser é Verdade e, portanto, é assim mesmo Verdade em sua essência e, por este fato apenas, sua norma é aspirar à Verdade.

O autor pensa haver estabelecido de tal sorte a identidade entre o homem e a Verdade que ele deseja, como também a possibilidade de alcançá-la, posto que tal é sua norma. Considerando logo que procedemos da Verdade, o jovem dialético não vacila em dizer-nos o que somos em realidade.

Posto que deseje conhecer minhas observações de velho simbolista, permitir-me-á a resposta na linguagem que costumo usar. Eu perdi, com efeito, o costume de raciocinar sobre abstrações e desconfio dos argumentos edificados sobre palavras.

Certo dia, conversando a respeito de questões religiosas e mitológicas com um sacerdote de muita erudição, disse-lhe com humor: Enfim, no domínio do desconhecido, os poetas são os que mais acertam. Seguramente, — respondeu o padre, — são os que menos se enganam, mas, infelizmente, os teólogos são os que menos acertam.

Compreendi então que a culpa é dos crentes, quando exigem precisões de todo impossíveis sobre o objeto de suas preocupações. Alguns conceitos permanecerão sempre longínquos, vãos e indeterminados para nosso entendimento. Se tentarmos examiná-los ao microscópio, a fim de precisá-los, chegaremos tão-só a falseá-los, e pode-se muito bem dizer que a teologia toda é uma empresa quimérica para demonstrar o indemonstrável. O campo do raciocínio é muito limitado. É este pequeno círculo compreendido entre as pontas de nosso compasso intelectual. Na totalidade dessa área, nossa visão é exata, e nossas deduções, lógicas. Mas não vamos nós raciocinar além de nossa razão, que deve reconhecer sua impotência quando se trata do infinito. O que não tem princípio nem fim, nem lugar determinado, nem duração no tempo, nem qualidade de nenhuma espécie fica fora do domínio da razão, e, neste ponto, podemos unicamente calar. Devemos honrar, como nosso silêncio, o que se impõe a nós e permanece velado à nossa compreensão. O primeiro ato do candidato a franquear o umbral do templo da iluminação deve ser o de inclinar-se humildemente diante do insondável mistério que nos rodeia.

Essa lição ritualística nos convida racionalmente a limitar nossas visões especulativas. O homem quer saber, e esta curiosidade que o leva a instruir-se é muito saudável. Mas, limitado como é, — tanto em seus meios de constatação quanto em seu potencial intelectual, — será bom que também pergunte a si mesmo o que realmente precisa saber e busque apenas o que poderá ver claramente com sua inteligência.

Sejamos positivos ao abordar o grande Mistério da Vida. Será que, verdadeiramente, precisamos conhecer a fonte de onde emana, como também a meta final rumo à qual nos dirigimos? Aceitemos a vida tal como ela se apresenta, satisfeitos em constatar que ela nos impõe uma tarefa. Não é acaso o principal trabalho de nossa inteligência tornar-nos plenamente conscientes desta tarefa?

Obreiros da Vida, esforcemo-nos por compreender o que a Vida espera de nós, e procuremos instruir-nos, para poder realizá-lo com perfeição. Graças a essa orientação, seguiremos o caminho reto, sem ceder aos desvios de uma vã curiosidade. O sábio jamais se vangloria de poder responder a tudo; sabe demasiado que seu saber é muito pouco comparado à sua ignorância. Sua luz abarca apenas um espaço reduzido, mas é suficiente para que possa realizar com brilho o seu trabalho, não possuindo maior ambição.

Há uma verdade que o homem pode buscar e alcançar. É unicamente esta verdade, cuja missão é orientá-lo no caminho da Vida. É a Verdadeira Luz simbolizada pela estrela flamígera. A verdade que homem alcança em virtude de sua norma, ele não pode deixar de relacioná-la ao esquadro (em latim, norma). Unido ao compasso, esse instrumento decora o avental do Mestre Maçom, livre já de toda ilusão depois de sua estadia na Câmara do Meio. Em seu modo de ver, o campo de seu saber é o estreito domínio da relatividade, o ínfimo espaço que sua razão pode iluminar. Discorrer sobre o mistério das coisas é perder tempo. Mais vale calar e buscar as certezas apenas no campo da ação. Nada podemos saber do que convém crer com relação aos enigmas que atormentam aos humanos, mas cada um de nós pode adivinhar sem esforço excessivo aquilo que a Vida exige e, assim, uma verdade se nos revela proporcional à norma: é uma verdade de ordem moral que emana das próprias leis da Vida.

Essa verdade nos obriga, em primeiro lugar, a ganhar a Vida no mais alto sentido desta expressão corrente. A cada dia, contraímos obrigações para com a Vida, e devemos nos esforçar em cumpri-las honradamente, inspirando-nos nessa rigorosa equidade cujo emblema é o esquadro maçônico. Devemos estar conscientes de nossos deveres para com nossos semelhantes, companheiros de nossa vida. Seus direitos e seus deveres são idênticos aos nossos, e nossa atitude para com eles vem ditada, sem vacilações, pelo esquadro, norma determinante de toda forma de vida normal.

Portanto, nós duvidaremos das afirmações arriscadas dos espíritos temerários sobre as coisas impossíveis de serem positivamente controladas. Em troca, na vida prática, podemos trabalhar com absoluta certeza: aqui, a norma (esquadro) dita-nos a conduta a seguir com impecável precisão. Se soubermos nos conduzir na vida com absoluta segurança, que mais poderemos desejar? Tudo mais poderá muito bem resultar pura vaidade e nada mais. Limitemos o domínio de nossas investigações, partindo daquilo que podemos comprovar objetivamente, sem pedir ao raciocínio mais do que ele pode dar de si. A razão humana equivoca-se ao querer escalar o céu. É firme apenas no plano terreno, e ainda aí amiúde tropeça.

O simbolismo filosófico nos ensina a não nos pagarmos com palavras, e o valor que concede às nossas concepções é muito relativo. Em seu modo de ver, não são mais que as imagens imperfeitas do quanto aspiramos a nos representar.

A Verdade nos atrai. Perseguimo-la sem trégua, mas, para o simbolista, a Verdade não é uma palavra suscetível de entrar numa equação silogística. É uma virgem que foge eternamente, atraindo com irresistível poder o pensador enamorado da inacessível deusa.

Assim o cantam os poetas. E, ainda que seja verdade que mesmo os filósofos não chegam tampouco a estreitar a Verdade em seus braços, quando menos lhes fica o júbilo de recolherem, às vezes, o comovente sorriso da eterna fugitiva.
 
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A confecção deste arquivo virtual é uma iniciativa do Departamento de Atividades Culturais da Muito Respeitável Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul.

Traduzido de El Ideal Iniciático tal como se desprende de los Ritos y Símbolos de Oswald Wirth, trad. Para o espanhol de D. Fernando Villard, Espanha, 1928. Versão para o português de B.C.C e M. B. T.

Proibido o uso comercial, bem como divulgação fora do âmbito maçônico. Trabalho com finalidade didática, integrando o Projeto de Docência Maçônica da GLOJARS, aprovado pelo Decreto Nº 019- 2003/2005

Ir.’. Bruno Cezar Carravetta, M.’. I.’.
Diretor do Departamento de Atividades Culturais
da GLOJARS

www.glojars.org.br

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