O
conceito do Karma, na doutrina da Cabala, ao contrário do que expressa o Mak
Tub, que coloca o destino humano num curso inexorável que só a Divindade pode alterar,
ensina que o Criador de todas as coisas já pôs no universo leis naturais que
regulam o seu desenvolvimento enquanto estrutura física, e leis morais que
regem a existência do homem enquanto elemento co-partícipe do processo de
criação. As primeiras são as leis físicas e biológicas ─ relatividade,
gravidade, magnetismo, aceleração, movimento, termo-dinâmica, cissiparidade,
mitose, etc; ─ as segundas são as leis que proporcionam a formação, a
manutenção e o desenvolvimento das sociedades humanas e a própria ascensão do
homem em direção a um Porvir. Estas são as chamadas leis da ontogênese e da
própria ontologia, como bem as define o grande Teilhard de Chardin.1 Nesse
sentido, a crença cabalista em um processo kármico, que se desenvolve segundo
certas leis de aplicação universal é diametralmente oposto ao Mac Tub e ilustra
bem o milenar conflito entre árabes e judeus, que não se processa apenas no
terreno político e ideológico, mas também, e principalmente, no campo da
religião.
Embora a crença na reencarnação seja um
elemento fundamental na doutrina da Cabala, ninguém precisa acreditar em
reencarnação para estar sujeito á lei do Karma. já que basta uma única vida
para se construir o mérito que torna a alma de um homem imortal. Pois, pela lei
do Karma, as ações humanas, boas ou ruins, repercutem na eternidade. Para
ganhar a iluminação basta, ás vezes, nascer uma única vez.
Literalmente
a palavra Karma significa “ação”. É uma vontade que inicia um movimento em
algum tempo no passado e tem um efeito em algum outro tempo no futuro. Não
precisa ser o passado anterior a nós nem o futuro posterior a nós. Pode ser o
nosso próprio intervalo de vida, embora a doutrina da Cabala acredite na
existência de vidas passadas e pregue a possibilidade de vidas futuras, com consequências
que se transmitem de uma vida á outras. Isso quer dizer que podemos estar
pagando pecados de vidas passadas e poderemos pagar em vidas futuras os erros
que estamos cometendo agora. Ou ao inverso, se estamos bem agora, pode ser
consequência da nossa virtude anterior, ou então seremos pagos em uma vida
futura pelo bem que fazemos nesta. Assim, inferno e paraíso ficam mais próximos
ou mais distantes de nós e o caminho para um ou para outro fica bem menos
incerto do que na doutrina cristã ou islâmica. Na Cabala existem mapas bem
precisos que nos levam a um ou outro lugar.
1
Ontogênese é o termo que define o processo evolutivo a que está sujeito o
organismo humano desde o seu nascimento, até o seu desenvolvimento. Já a
Ontologia (do grego ontos "ente" e logoi, "ciência do ser")
é a parte da filosofia que estuda a natureza, a realidade e a existência das
pessoas enquanto seres humanos em seus aspectos ético, moral e espiritual. A
ontologia, que muitas vezes é confundida com a metafísica, busca umae explicação
para a finalidade da vida e para o papel do homem enquanto “ser” em sua
estrutura psíquica e suas relações com outros seres, a sociedade e a natureza.
Ver, nesse sentido a monumental obra de Teilhard de Chardin- O Fenômeno Humano-
Ed. Cultrix, 1986. Para um resumo desse assunto, e suas relações com a
maçonaria, ver a nossa obra “Conhecendo a Arte Real” Ed. Madras, 2006.
A
lei do Karma não significa necessariamente uma coisa negativa, como usualmente
se pinta. As pessoas costumam dizer, quando acontece alguma coisa ruim “isso é
o Karma de fulano”. Uma grande bobagem. Karma é apenas o resultado de uma ação.
O Karma é neutro. Não tem nada a ver com recompensas divinas. Ele é o resultado
do funcionamento da lei do equilíbrio universal, perante a qual todo movimento,
por menor e mais imperceptível que seja, provoca um desequilíbrio em algum
lugar, que por sua vez, terá que ser compensado por outro movimento. É a lei da
ação e reação. Essa lei foi bem formulada por Edward Lorenz, em 1963, e é hoje
conhecida como a Teoria do Caos.
O
que serve para estudar a mecânica das leis universais da matéria serve também
para explicar o movimento da energia que constitui o lado sutil das nossas
existências. Isso porque o universo é um animal único, um organismo tecido como
uma rede de relações, indissociáveis e interligadas por todos os pontos. A lei do
Karma atua como um sistema dinâmico, auto ajustável, que emite um feedback
constante que funciona de acordo com a maneira com a qual nós aprendemos com
cada experiência que vivemos. Assim, a reação que temos com o resultado delas é
mais importante do que a própria experiência. Por que não é o ato em si que se
julga, mas como encaramos o resultado desse ato que importa, porque é esse
julgamento que nos levará ao refinamento da virtude ou ao aperfeiçoamento do
vício.
É
por isso que os termos "bom karma" e "mau karma" não são
usados na Cabala no sentido de "bem e mal", mas sim como virtudes a
serem desenvolvidas ou mitigadas no caráter da pessoa. Isso porque, as pessoas,
em si mesmas, não são importantes, mas sim os resultados que elas produzem com
suas ações para o mundo em que vivem. É nesse sentido que a doutrina da Cabala
se assemelha ás modernas concepções desenvolvidas pela chamada PNL (programação
neurolinguística), que vê a estrutura neurológica humana como uma espécie de
Árvore da Vida, subdividida em várias substruturas, semelhantes ás que foram
desenvolvidas pelos mestres cabalistas para explicar a construção do universo
físico e a estrutura psico-biológica do homem.
Espírito Razão superior (motivação Espiritual)
Identidade Razão
pessoal (motivação psiquica) Crença Porque fazer?
Motivação moral Capacidade Com que fazer? Recursos
pessoais Comportamento Como fazer? Habilidades
pessoais
Meio Ambiente Onde e quando fazer;
Tempo e espaço de atuação
(No desenho acima mostra uma relação entre os
conceitos expressos na Cabala sobre a relação entre o homem e a Árvore da Vida,
e os conceitos desenvolvidos pela PNL sobre a estrutura do homem no seu
processo de desenvolvimento neurológico).
A
Cabala, portanto, é uma doutrina que mitiga as razões do ego em proveito de um
melhor resultado para si mesmo e para a coletividade. Daí a razão de ela propor
uma troca de atributos egocêntricos (apego, aversão, ódio, indiferença, inveja,
arrogância) por outros menos egocêntricos, tais como renúncia, desapego, amor,
compaixão, humildade, etc. para que o processo kármico possa ser vivido com
mais inteligência e proveito.
2 No desenho da Árvore
da Vida temos a identificação de cada séfira com a estrutura física e
espiritual do ser humano, Quanto á PNL ela vê o ser humano como uma estrutura
formada a partir de vários níveis neurológicos que seguem um caminho ascendente
que integra ambiente › comportamento› capacidade› crença› identidade› espirito,
em níveis sequenciais de desenvolvimento. Esse modelo foi criado por Robert Dilts
(Aprendizagem Dinâmica Vol. 1 e 2- Summus Editorial) para demonstrar os
diferentes níveis neurológicos em que uma pessoa reage aos estímulos
(informações) que recebe através dos seus sentidos e vai formatando a sua
personalidade.
Portanto
Karma é resultado de uma ação intencional, consciente, deliberada e voluntária,
e nada tem a ver com destino, fatalidade ou recompensa divina.
Por
isso é que as ações sem intenção, como caminhar, dormir, respirar, que não
geram consequências morais, constituem um karma neutro. Só geram consequências
as ações cujo arbítrio são inerentes á atividade de pensar.
Nessa
concepção, a Cabala e o Budismo chegaram a conceitos paralelos e
complementares. A doutrina budista ensina que existem três portas de entrada
para as atividades prejudiciais ao Karma: são o corpo, a mente e a voz. Lista
três ações prejudiciais que podem ser praticadas pelo corpo, quatro pela voz e
três pela mente. As três ações prejudiciais do corpo são matar, roubar e a
prática de comportamento sexual impróprio. As quatro ações prejudiciais da voz
são mentir, incitar a prática de atos maldosos, caluniar e repetir inverdades
sobre ações de outras pessoas. Já as três ações prejudiciais á mente são a
avareza, a raiva e a ilusão. Evitando-se a prática destas dez ações
prejudiciais ao nosso karma, nós não atrairemos consequências similares para
nossas vidas presentes ou futuras.
A
doutrina da Cabala, a esse respeito, vai um pouco além. Para os cabalistas toda
causa tem seu efeito, que é proporcional á energia (física e mental) empregada
na ação e consoante o seu resultado. Isso quer dizer que as condições que
determinam a força ou o peso do karma aplicam-se ao sujeito e ao objeto da
ação. Dessa forma, a lei do Karma funciona como se fosse um processo
judiciosamente julgado por uma inteligência superior, cujos parâmetros de
julgamento são:
· A persistência da ação, sem se importar com o
resultado; Contumácia.
· A intenção da ação e a determinação com que é
praticada; Intencionalidade e energia empregada.
· A energia mental posta em ação para a estruturação
mental da ação. Planejamento.
· A inteligência da pessoa que pratica a ação.
Discernimento.
· Os resultados (bons ou ruins) das ações pregressas
da pessoa (em vidas passadas ou na atual). Antecedentes.
Então
a questão principal não está na ação propriamente dita, mas na intenção que a
motiva e no resultado que ela trás para o equilíbrio da estrutura cósmica como
um todo. Quer dizer, no livre arbítrio com que se age, no propósito egoísta que
impulsiona a ação e no prejuízo que ela causa. Por isso, uma boa definição do
processo kármico está nos versos atribuídos a um filósofo, ou poeta, chamado
Frank OutLaw, que dizem:
“Vigie seus pensamentos; eles se tornam palavras.
Vigie suas palavras; elas se tornam ações.
Vigie suas ações; elas se tornam hábitos.
Vigie seus hábitos; eles formam seu caráter.
Vigie seu caráter; ele se torna seu destino.”
Portanto, Karma não significa
um destino traçado ou um livro de vida escrito, como acontece na doutrina do
Mak Tub. Cada pessoa escolhe seu karma pelas ações que realiza na vida.
Alinhar-se com nosso karma significa descobrir qual é a nossa missão de vida.
Uma pergunta útil que pode fazer nesse sentido é a seguinte: qual será a
consequência da nossa ação para as outras pessoas e para o mundo em que
vivemos? Se tivermos uma resposta positiva para essa pergunta estaremos no
caminho certo para um karma bem alinhado. E então poderemos repetir as palavras
de Plotino com uma boa dose de certeza científica: “As estrelas em seu percurso
combatem pelo homem justo”. Isso é o que também está traduzido na máxima que
resume toda a doutrina pregada pela Ordem maçônica: levantar templos á virtude
e cavar masmorras ao vício. Nesse sentido, a Cabala filosófica e a Maçonaria
cantam um dueto bem afinado.
3
Não se sabe se Frank OutLaw ( “Chico- forada lei “) é um personagem real ou
literário e nem se a poesia acima é de sua autoria. Na verdade, essa frase, ou
algo semelhante, é citada constantemente nos ensinamentos da doutrina budista.
Irmão João Anatalino
Rodrigues.